Muito do desenvolvimento dos computadores se deve a projetos de governo para coleta de informações censitárias, abrindo o caminho para o processamento de dados em diversos outros setores. Era um investimento enorme e Los Angeles, nos EUA, foi pioneira na análise de dados do ponto de vista de uma cidade, nos idos de 1970.
Entretanto, no final do século passado, ainda não se falava de cidade inteligente, já que sustentabilidade e conectividade eram os principais atributos a serem perseguidos por uma comunidade preocupada com o seu futuro naquela época. Só em 2005, por uma iniciativa da Fundação Clinton, é lançado um desafio para que as grandes empresas de tecnologia nos EUA desenvolvessem soluções com foco específico nas cidades. São Francisco, Amsterdam e Seul receberam projetos piloto, cujos resultados positivos levaram, por volta de 2010, a criação de unidades de negócios para explorar o novo nicho.
Cisco e IBM saem na frente, com ofertas concretas sendo apresentadas para prefeituras no mundo todo. Interessante destacar que um do primeiros projetos comerciais da IBM foi justamente na cidade do Rio de Janeiro, com a implantação de um centro de respostas a situações de emergência, que se tornou o COR – Centro de Operações Rio, hoje uma referencia na análise de informações em tempo real de uma metrópole.
Atualmente, sem abrir mão do desenvolvimento sustentável, toda e qualquer grande cidade no mundo almeja ser uma cidade inteligente, gerando um potencial de mercado estimado em mais de 400 bilhões de dólares já em 2020. Não é por outro motivo que Cidades Inteligentes é uma das verticais apontadas como prioritária no Estudo “Internet das Coisas (IoT): um plano de ação para o Brasil”, desenvolvido pelo BNDES. Em março deste ano o banco inclusive lançou uma cartilha específica para cidades, apresentando caminhos para a implementação de IoT nas cidades Brasileiras.
O Rio de Janeiro deverá ser palco para inúmeras destas soluções, já que a ABDI e Inmetro estabeleceram um acordo de cooperação para implantação aqui do “Ambiente de Demonstração de Tecnologias para Cidades Inteligentes”. Empresas já trabalhando com produtos ou serviços correlatos podem inclusive cadastrar os mesmos em https://cidadesinteligentes.abdi.com.br/, futuramente acertando a homologação/certificação dos mesmos.
Na verdade pode-se observar uma coordenação razoável de esforços entre diferentes iniciativas de governo, tomando como base o estudo do BNDES para orientar uma série de projetos mobilizadores que irão englobar ações estruturantes, medidas e elementos catalisadores. Neste sentido, a “Seleção BNDES Pilotos IoT” que busca aumentar a interação entre centros de P&D e empresas, poderá ter os resultados dos projetos que vierem a ser selecionados, testados e demonstrados no ambiente de demonstração dentro do Campus do Inmetro. A FINEP também pretende financiar projetos de IoT junto a empresas estabelecidas no país, tendo anunciado em junho o programa FINEP IoT, com cerca de R$ 1,5 bilhão para apoiar iniciativas ligadas ao tema até o fim de 2018.
Pela definição da Wikipédia, cidades inteligentes são projetos nos quais um determinado espaço urbano é palco de experiências de uso intensivo de tecnologias de comunicação e informação sensíveis ao contexto, de gestão urbana e ação social dirigidos por dados. Esses projetos agregam, portanto, três áreas principais: Internet das Coisas (objetos com capacidades infocomunicacionais avançadas), Big Data (processamento e análise de grandes quantidades de informação) e Governança Algorítmica (gestão e planejamento com base em ações construídas por algoritmos aplicados à vida urbana).
Com base nesta definição fica fácil perceber que não se pode pensar em cidades inteligentes sem pensar em Ciência de Dados e Inteligência Artificial (CDIA). Na verdade estas tecnologias estarão presentes em diversas outras áreas, havendo quem diga que a IoT só acontecerá de fato se ela própria for Inteligente. De forma ultra resumida, com a quantidade de sensores e coisas interligadas através da internet, uma pessoa qualquer em 2030 deverá receber dados de uma destas coisas a cada 18 segundos em média. Será necessário ter uma “inteligência” intermediando estas interações, ajudando a filtrar o que é relevante. Uma descrição mais detalhada disto está disponível em “How AI Can Unlock the Intelligent Internet of Things” [20].
Lidar com sensores, por sí só, já apresenta uma série de desafios que precisam ser equacionados [21], sendo a contextualização de dados gerados por diferentes sensores num mesmo ambiente e a segurança na transmissão destes dados apenas 2 deles. Mas esta tal “inteligência” que vai intermediar a troca de dados, que é na realidade software conversando com software em diferentes camadas, precisará ser construída de forma diferente. Este assunto é bem explorado em “Why microservices will drive enterprise-grade IoT for business” [22], descrevendo a arquitetura de microserviços e sua capacidade de oferecer interoperabilidade, agilidade, flexibilidade e escalabilidade. Quem tiver formação técnica e quiser entender um exemplo prático não pode deixar de conferir o artigo “Data Science for Startups: Model Services” [43]. Já para quem não entende de programação mas ainda assim fica intrigado com toda a conversa em torno de privacidade de dados e informações que podem ser obtidas na internet, vale olhar o artigo “Importance of Metadata in a Big Data World” [44]. Nele é possível entender como uma pequena mensagem no Twitter pode ser uma fonte de valiosas informações sobre o autor do texto.
Deixando de lado os aspectos técnicos e se concentrando nos aspectos estratégicos relacionados com o domínio da CDIA, vale muito a pena ler com atenção o artigo “Strategic Competition in an Era of Artificial Intelligence” [2]. A introdução resgata a história das revoluções industriais e como elas afetaram o balanço de poder entre nações, dando origem inclusive a conflitos armados. A ideia é analisar a história para tentar determinar quais serão os fatores chave para um país se tornar ou se manter relevante no cenário internacional diante da nova revolução que esta em curso, baseada no domínio de uso da IA. Ainda que estes fatores não estejam completamente claros, deve-se considerar:
• Propriedade de grandes quantidades do tipo certo de dados;
• Treinar e manter um conjunto de novos talentos que dominem IA;
• Disponibilidade de recursos computacionais;
• Organizações alinhadas e incentivadas para adotar IA;
• Cooperação público-privada; e
• Vontade de fazer acontecer.
Em seguida se discute qual a melhor forma de enxergar a IA: Como software ou hardware ? Ainda que os algoritmos em IA sejam implementados em software, é preciso de muito poder computacional para aplicar/treinar estes algorítimos em grandes volumes de dados. Daí que usar os algorítimos já treinados poderá ser relativamente fácil, desde que os criadores destes algorítimos estejam dispostos a compartilhá-los com terceiros. Não é por outro motivo que especialistas estão afirmando que uma nova corrida tecnológica em torna da IA já esteja em curso. Corrida esta que será mais relevante e intensa do que foi a corrida pelo domínio do espaço e com um número muito maior de competidores.
Ainda segundo o artigo, na medida em que a IA permite que empresas e governos substituam mão de obra por capital, os países que contam com setores de tecnologia robustos estariam em vantagem. Ainda assim, políticas educacionais se tornarão cada vez mais questão de segurança nacional, já que será preciso garantir recursos humanos capazes de lidar com estas tecnologias.
A expectativa é que a liderança em AI trará consequências significativas nas relações internacionais, até porque do ponto de vista militar, a IA poderá ser imprescindível para a criação e emprego de poderio bélico, além do enfrentamento no espaço cibernético. Na visão dos autores, nações que irão liderar a corrida pela IA serão aquelas capazes não apenas de tirar proveito das vantagens trazidas pela tecnologia, mas que também tenham um plano efetivo para lidar com as disrupções sociais advindas da aplicação destas mesmas tecnologias.
Os EUA ainda são considerados os líderes globais em IA, mas outros países podem tomar esta liderança. Por conta disto, são analisadas as estratégias que já estão sendo adotadas pela China, Índia e Rússia. A preocupação maior, no momento, é com a China, que também tem grandes empresas com acesso a grandes volumes da dados, mas com um controle estatal sobre a internet que pode fazer diferença no uso de dados para treinamento de novos algorítimos.
De qualquer modo, criar tecnologia é uma coisa e outra bem diferente é garantir seu uso. Ha quem diga que pode ser mais importante descobrir como melhor aplicar uma tecnologia relacionada com IA do que ser o primeiro a desenvolvê-la. Na esfera de governo, mesmo com a promessa de uma gestão mais eficiente e efetiva, poderão surgir movimentos contrários do funcionalismo caso isto implique na dispensa de servidores. No setor privado este tipo de reação não é antecipado, embora não seja impossível, mas a demora em aprovar legislação que permita o uso, por exemplo de carros autônomos, pode atrasar enormemente a adoção destas e de outras inovações.
A manutenção da liderança em IA dependerá também de quão fácil será copiar as últimas inovações nesta área. O uso destas tecnologias na área de defesa pode ser um importante catalisador ou inibidor na disseminação destas tecnologias, mas que estará necessariamente atrelado a politica de adoção/promoção da IA em seus respectivos países. A opinião pública também desempenhará um importante papel, e podemos citar como exemplo o surgimento de manifestações nos EUA pedindo para que a Google não disponibilizasse seus conhecimentos em IA para os militares daquele país.
Ainda que grandes empresas de tecnologia possam servir como enorme vantagem competitiva tanto para EUA como para a China, e que a parceria público-privada seja o caminho recomendado para vencer esta corrida pela IA, é interessante perceber estas empresas estão também numa corrida entre elas. O artigo “The Race For AI: Google, Intel, Apple In A Rush To Grab Artificial Intelligence Startups” [12] deixa isto bastante claro, com reflexos diretos para a turma de capital de risco, que esta dando tratos a bola para descobrir como escalar startups de IA.
Ninguém esta perdendo dinheiro, mas os fundos estão sendo forçados a deixar seus investimentos mais cedo do que gostariam, já que as grandes corporações (acima citadas) estão comprando as startups mais promissoras ainda nos seus primeiros anos de crescimento, quando seus respectivos valores de mercado não são ainda tão altos. Uma discussão interessantes sobre como lidar com este desafio esta posta em “Comparing AI Strategies – Vertical vs. Horizontal” [4], concluindo que existe oportunidade também para soluções “full-stack”, que seriam sistemas parecidos com ERPs só que incorporando todas as diferentes aplicações de IA para um domínio específico, como por exemplo, na manutenção preditiva de equipamentos, mas se comunicando com os sistemas de gestão de pessoal, estoque, etc., de modo a agendar eventuais paradas para manutenção da forma mais eficiente e eficaz possível.
Uma coisa é certa: com o enorme crescimento de soluções fazendo uso de IA, registrado no mapeamento da FirstMark sobre este mercado, comentado no texto “Great Power, Great Responsibility: The 2018 Big Data & AI Landscape” [5], ainda haverá muita atividade em fusões & aquisições para deixar o pessoal do capital de risco ocupado. O governo dos EUA esta fazendo sua parte, criando oportunidades para as empresas, como pode ser checado em [9], [10], [11] e [53].
Os países estarão igualmente ocupados, num movimento bem documentado em “An Overview of National AI Strategies” [3], que não deixa dúvidas sobre a corrida já em andamento em torno da IA. Nos últimos 15 meses foram apresentadas ao mundo estratégias para a IA de 26 diferentes países/regiões (algumas delas foram referenciadas em edições anteriores deste informativo). O autor do texto destaca, contudo, que nenhuma destas estratégias é igual a outra, cada uma delas focando em diferentes aspectos, seja a pesquisa científica, o desenvolvimento de talentos, educação, rotas para adoção tecnológica (governo e/ou setor privado), ética, inclusão social, padrões, regulamentos e infraestrutura digital.
Ainda que muitos destes aspectos estejam presentes no Estudo sobre IoT do BNDES, o Brasil não aparece em nenhuma das referencias acima até porque realmente não publicou uma estratégia específica sobre IA. Nem tudo são certezas com relação a IA, e os prognósticos para o vencedor da Copa do Mundo deixaram isto bem claro [24]. Assim, investir em cidades inteligentes pode ou não ser uma estratégia vencedora para permitir que os países que as abrigam estejam entre os líderes da corrida pela IA. O plano do BNDES para IoT não se limita a cidades inteligentes e não é nosso objetivo aqui analisar se este plano é suficiente para dar conta de uma estratégia para o Brasil participar desta corrida pela IA. Mas tenha a certeza que já é um movimento na direção certa, o que é muito melhor do que ficar parado.
Refletindo sobre Proteção de Dados Pessoais, que foi o assunto do texto inicial da edição anterior deste informativo, não deixe de conferir os links da seção “Ética e Legislação”, até porque o Congresso aprovou o projeto de lei que vai regular este assunto, aguardando agora a sansão presidencial. As empresas estão se mexendo, como pode ser visto em “Facebook, Google, Microsoft e Twitter juntos pela portabilidade de dados pessoais” [52].
De uma olhada também na seção “CDIA Aplicada”, pois já temos soluções brasileiras fazendo diferença [15] e [17], apesar dos investimentos aqui em big data, nuvem e Inteligência Artificial ainda serem baixos [14]. Quem tiver soluções de mineração de dados para a administração pública deve procurar o TCU, que esta organizando um evento sobre o tema [16].
Quer mais informações sobre CDIA? Se inscreva para receber gratuitamente este informativo e se programe para participar do Rio Info 2018 em setembro, quando os membros desta rede estarão trazendo as últimas tendencias e soluções para quem quiser se aprofundar nestas tecnologias. Outra alternativa é participar do nosso próximo encontro agora em agosto (veja abaixo).